A Ilha Currier — Um mistério geográfico a fazer história no Ultimate

Em Janeiro de 2004, enquanto organizava o 1º Campeonato do Mundo de Ultimate de Praia em Portugal, o presidente da BULA, Patrick van der Valk, recebeu uma carta em que Minh Le e Ivan Cestero pediam para competir, em representação de uma nação chamada Currier Island. De início, o organizador foi levado à certa pela aparência oficial da carta assinada pelo ‘Ministro dos Negócios Estrangeiros’, mas ficou surpreendido com a dificuldade em localizar a Ilha no mapa ou no Google. Não tardou a descobrir que ‘A Ilha Currier’ era um país inventado, cujo nome na verdade pertencia a um liceu americano, em Nova Jérsia. Como a selecção norte-americana estava completa, Le e Cestero tinham decidido criar a sua própria nação…

O Patrick pediu uma bandeira e um hino nacional… e eles apareceram! Impressionado com a audácia dos seus interlocutores («Gostei da atitude deles!»), decidiu permitir que a Selecção da Ilha de Currier participasse no Campeonato, desde que agissem como um pick-up internacional. E assim nasceu uma nação que consiste mais um estado de espírito do que num território concreto.

A continuação da relação nos Mundiais da BULA criou expectativas em relação a esta formação. Actualmente, só é convidada para formar equipas em categorias que tenham um número ímpar de selecções inscritas, por isso a sua presença muda o número de equipas participantes para par e isso facilita a vida à organização de cada torneio. Além disso, se pedirem para formar uma equipa numa dada categoria, têm de dar prioridade ao recrutamento de jogadores cujo país não esteja representado nessa categoria em concreto. Por exemplo, se a Turquia não tiver uma selecção feminina de Masters, uma jogadora turca que se candidate à selecção da Ilha Currier terá prioridade sobre uma jogadora de um país que esteja presente.

O Patrick explica que o objectivo da Ilha Currier é «servir de viveiro, e permitir a pessoa de países onde o Ultimate de Praia não seja tão conhecido, ou não tenha um nível elevado, para adquirir esta experiência. O que se espera é que disso nasça uma raiz que vai permitir ao Ultimate de Praia crescer em mais um país». Jim Scott, que é responsável pela supervisão e pela composição das selecções da Ilha, acrescenta, com estes objectivos em mente, que «Ao formar as equipas, damos valor a jogadores competitivos que ilustram bem o espírito do jogo… e esforçamo-nos para não ter mais de dois jogadores do mesmo país em cada formação». Assim, a Ilha Currier permite a alguns jogadores de nível elevado participar em Campeonatos do Mundo e da Europa, que antes não tinham, e reforça a natureza multicultural de cada torneio.

Em 2015, quando a Federação Mundial (WFDF) assumiu a organização dos Campeonatos do Mundo, a BULA assegurou que o acordo de transmissão de responsabilidades permitia à Ilha Currier continuar a participar, nos mesmos moldes que antes. A aceitação, por parte da WFDF, fez com que a presença desta nação inventada deixasse de ser apenas uma tradição da BULA e passasse a ser um dado oficial. Mas nem toda a gente concorda com esta decisão. Respondendo a quem alega que a presença da Ilha tira veracidade às competições, o Patrick responde: «É um pouco como as selecções de refugiados dos Jogos Olímpicos. Há espaço para uma selecção de pick-up, mas esta tem regras». Uma dessas regras é que a Ilha não pode impedir nenhuma selecção de chegar a uma final, o que significa que a Ilha Currier nunca obterá uma classificação superior ao quinto lugar. Além disso, tem dado prioridade nas suas formações a jogadores recomendados pela Federação, para que eles cresçam e adquiram mais experiência a nível internacional.

Já com cinco edições do Campeonato do Mundo realizadas, com diferentes Campeonatos Continentais disputados pelo meio, o Patrick conta que o papel da Ilha Currier está a sofrer aperfeiçoamentos. Para o percebermos melhor, falámos com a Sofia C. Pereira, que partilha as funções de organizadora e que colabora, no momento, com o Jim Scott para envolver a Ilha Currier no programa de sustentabilidade e de desenvolvimento da comunidade, em Portimão. Explica aquela responsável que não gosta de ir para um local ajudar a organizar um grande evento e simplesmente vir embora, sem deixar qualquer impacto positivo no local. «Não queremos apenas que o Europeu de 2019 seja o mais amigo possível do ambiente, no que toca à pegada que deixamos no planeta, mas também queremos que fique marcado por uma grande responsabilidade social».

Com esse objectivo, a Ilha Currier vai estar envolvida no lançamento de um campo de formação no torneio, em que jogadores de todas as sete selecções trarão os seus próprios discos usados para ensinar os interessados no local a lançar, discos esses que depois serão oferecidos. Também haverá um cesto de disc golf, para quem quiser testar a sua pontaria. Ao fim das sessões diárias, os mais novos receberão um disco usado, para levar para casa, o que se espera que as incentive a sair e a lançar, mais tarde. Esta iniciativa permitirá à Ilha Currier dar algo de seu à comunidade do Ultimate de Praia, e permitirá ao torneio deixar uma marca duradoura na região onde o Campeonato decorre.

Face a tudo isto, a Ilha tornou-se uma parte integrante dos eventos de praia, tanto em campo como fora dele. Será muito interessante ver o impacto do seu campo de formação e como jogarão as suas equipas no Campeonato da Europa que se avizinha.

Abril 18th, 2019|